*~ Zach e Caleb ~*
Ainda era noite quando acordei. Lá estava ele, sentado, imóvel. Estava me encarando sutilmente. Sentia-me invadido por aqueles olhos. Sentia-me o mais diáfano dos objetos, frágil, vulnerável. Sim, vulnerável, acima de tudo, vulnerável. Ele percebeu isso, esse sentimento, essa sensação. Mas, mesmo assim, permaneceu no mesmo lugar, estático. Uma criatura devassa, vil, fria, cruel, mas, calma e acima de tudo, angelicamente bela.
Eu o admirava, mas o odiava também, por ser tão perfeitamente jovem imutável. Odiava-o por saber que ele seria eternamente assim, um elegante rapaz, cuja idade me era impossível definir. Eu era ainda mais jovem em aparência do que ele. No auge de meus dezesseis anos, com os hormônios à flor da pele e um espetáculo de sentimentos e sensações extasiantes recém descobertas pelo meu novo amante, meu anjo corrompido, despertavam em mim um desejo incontrolável, uma dependência carnal incomum, eu achava-a esplêndida.
Durante semanas ele me visitava sempre ao anoitecer. Beijava-me com uma suavidade sobre humana e a libido e curiosidade de quem passara uma vida privado de prazer. Um torpor percorria-me numa velocidade tão intensa que em segundos, todo o meu corpo respondia freneticamente aos seus graciosos estímulos. Ele fazia todo um meticuloso jogo de sedução. Com uma satisfação quase sádica rasgava lentamente minhas roupas e mordia gentilmente meu pescoço, meus ombros, meu ventre. Produzia pequenos espasmos em meu corpo e isso o fazia sorrir. E a excitação perdurava por horas a fio. Mas nesse dia ele não fez nada. Chegou, sentou-se e lá estava, por duas horas, me analisando minuciosamente como um arqueólogo que observa uma relíquia rara recém descoberta. Olhei-o como um cão ao dono. Queria que ele se movesse, me abraçasse me amasse.
Finalmente convencido de que ele não se moveria, levantei-me e me dirigi para a grande banheira no centro do cômodo, como eram antigamente as belas banheiras gregas. Despi-me. Não tinha vergonha que ele observasse cada movimento meu. Até me agradava um pouco essa sensação de ser esquadrinhado. A água estava deliciosamente quente, exalava um perfume de lírios brancos e rosas, abandonei-me nela. Por um instante, eu esqueci que ele estava lá. Pensava apenas no movimento calmo da água e na luz bruxuleante das velas que circundavam a banheira. Eu pensava que ele ficaria me contemplando até a hora de partir, mas me enganei. Quando olhei para a cadeira à procura daquele rosto angelical, ele não estava lá. Subitamente apareceu junto a mim, despido, mergulhado na água doce e rosada. Ele se movera com uma velocidade e suavidade sublimes. Eu estava encantado. Acariciou-me lentamente, os dedos frios apesar da água quente, a pele suave e lisa, ele mais parecia uma estátua viva, ou uma das obras de Rembrandt que fugira dos quadros para vir à mim. Tinha feições delicadas, um rosto como o dos mais belos anjos já pintados, um rosto imberbe, infantil, delicado, era tão belo como uma menina. Cabelos ruivos, ondulados e lustrosos como os da majestosa Vênus de Botticelli. Olhos azuis esverdeados como o mais translúcido mar dos trópicos. Era contagiante aquele olhar, aquele desejo.
Naquele momento nada mais importava, apenas nós dois. Beijou-me. O coração pulsando, mas forte, o odor afrodisíaco das velas aromáticas, as cores pulsantes das pinturas que recobriam as paredes, o ruído da água que se revolvia a cada movimento que nós fazíamos tudo aquilo me envolvia, me cativava, me deixava cada vez mais embriagado. Eu não queria que aquilo parasse aquele turbilhão de excitantes sensações que atiçavam cada um de meus sentidos.
Entreguei-me a ele.Não me recordo mais sobre aquela noite,depois disso, só lembro de ter despertado horas mais tarde em nossa cama. Ele tinha partido. Uma melancolia invadiu-me profundamente, eu sabia que ele voltaria, ele sempre voltava. Mas mesmo assim eu sempre ficava completamente arrasado ao vê-lo partir. Era como se me privassem de minha maior alegria. Eu me sentia vazio irremediavelmente nostálgico. Sentia como se nem mesmo a visão das mais belas rosas ao desabrochar fosse capaz de sanar a nostalgia que me consumia a alma. Tentei me controlar. Chorei.
Precisava fazer algo que desviasse a minha atenção dele, qualquer coisa. Resolvi então caminhar pelo bosque que ficava a menos de dois quarteirões dali, afinal, demoraria um dia inteiro para que voltasse a ver meu querido Caleb. Entrei no bosque sem direção, caminhei por alguns minutos até alcançar uma clareira qualquer, onde me sentei junto com meu violino e meus pensamentos. Deixei que os sons da natureza me envolvessem. Comecei a tocar. Uma melodia graciosa e improvisada ia se formando gradualmente, acompanhando os ruidos do bosque formando uma delicada sinfonia espontânea. E na medida em que o vento se tornava mais forte, mais rápidos eram os movimentos do arco do violino. Estava escurecendo. A melodia tornou-se melancólica e foi se esvaindo até cessar. Era hora de voltar.
Cheguei ansioso à casa. Estava silenciosa. Nem sinal de Caleb. -Estou aqui Zach, não se preocupe, não tenho a intenção de deixá-lo. Ele me abraçou carinhosamente e encheu-me de beijos. Era como se cada beijo seu injetasse em mim um feixe de felicidade, pois pouco a pouco, todos os sentimentos tristes abandonaram minha mente. Agora só havia ele. Calebentediantes e pomposas festas que a corte costumava oferecer. Ele estava lá, num canto, apreciando um dos muitos quadros da galeria do nosso notório anfitrião. Desde aquele momento não consegui tirar meus olhos dele. Conversamos nos apaixonamos. Mas eu estava envelhecendo. Era quase inevitável, você sabe, ele podia facilmente transpor esse pequeno obstáculo. Mas tanto ele como eu não queríamos isso. Eu era tão jovem, mas, em breve, não seria mais tão jovem, e eu sabia, bem como ele, que isso mudaria as coisas entre nós. Então veio o dia. Quando cheguei em casa de uma reunião com meu sócio, Benjamin, ele estava sentado na poltrona à frente da escrivaninha. Parecia abatido, deprimido.
-Zach, você sabe o quanto quero ficar com você, para sempre. - disse abaixando a cabeça.
-Caleb. - murmurei. - eu estou pronto, se é o que quer saber.
Ele veio até mim, olhou-me como se olhasse pela última vez para aquele jovem de longos cabelos loiros, levemente despenteados e seus olhos cor de cobre. Olhava-me como se eu nunca mais fosse ser daquele jeito de novo, ou pelo contrário, olhava-me como que pesaroso por imortalizar aquela expressão infantil. Tirou minha camisa, desamarrou meus cabelos, abraçou-me, beijou-me e me amou uma última vez antes de me fazer igual a ele. Foi como um último beijo, sua boca em minha garganta enquanto acariciava meus cabelos. Foi rápido. Logo eu havia perdido os sentidos.
-Beba.- disse, parecia mais um pedido do que uma ordem. Abri minha boca e senti uma substância como nenhuma outra que eu jamais provara entrar em meu corpo fazendo com que cada célula de meu corpo vibrasse insistentemente. Depois, uma dor como nenhuma outra sentida me invadiu. Estava morrendo, morrendo para nascer de novo.
Durou pouco menos que cinco minutos, não sei dizer ao certo. Estava faminto. Estava mais pálido, pálido como ele. Acabou, éramos iguais, eu poderia passar toda eternidade ao seu lado, mas primeiro, eu precisava conhecer o mundo com a minha nova forma, ver tudo o que eu ansiava ver, descobrir o mundo de novo, com novos olhos. Depois voltaria para ele, meu amante eterno. Parti com o coração receoso. Fui a lugares com os quais jamais sonhara, conheci pessoas, matei pessoas. Vi as mais belas obras de arte, os mais belos crepúsculos até que, enfim retornei para ele, meu anjo de Rembrandt, Caleb. Essa é minha história e de Caleb, meu amor, meu confidente, meu mestre.
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